sábado, 2 de outubro de 2010

CAPÍTULO 2 BITOLAS E FORMATOS - PARTE 1/3

A BITOLA

O conceito de Bitola surgiu juntamente com o cinema, descendendo diretamente da fotografia. Nos primórdios da arte fotográfica, os filmes eram emulsões aplicadas a grandes superfícies, de metal e posteriormente de vidro, as chamadas chapas fotográficas, implicando
assim no conceito de formato. Apenas com a revolução de George Eastman em 1888, a película fotográfica passou a ser comercializada em rolos flexíveis (consultar História da Fotografia).
Quando nasceu o cinema, primeiramente através do Kinetoscópio de Edison, foi necessária a confecção de uma tira fotográfica contínua que dispusesse de perfurações adequadas ao mecanismo de tração da câmera e do projetor. Assim Eastman fabricou, sob encomenda de Edison, uma película com 35mm de largura, e a esta medida da tira da película é que chamamos Bitola.
A película de 35mm de Edison diferencia-se das atuais apenas quanto ao número e formato das perfurações, com menos perfurações por fotograma e estas arredondadas, e não retangulares como hoje.
No início do Kinetoscópio de Edison, o tamanho máximo (em comprimento) da película que a tecnologia de então poderia fabricar era 17mts., razão pela qual os filmes do Kinetoscópio não duravam mais que um minuto e meio. Mas a demanda de produção, depois que os Lumière projetaram a película para fora do aparelho de Edison (inventando, assim, o que chamamos propriamente de cinema) era grande, e com o advento de novas tecnologias de construção e fabricação das câmaras, as películas conseqüentemente também tiveram que acompanhar tais tecnologias. A guerra das patentes,concorrência comercial e praticidade de uso foram fatores determinantes para a criação de outras bitolas cinematográficas, num grande e variado número: 3mm, 8mm, 9.5mm, 11mm, 13mm,17mm, 17.5mm, 18mm, 22mm, 24mm, 26mm, 28mm, 30mm, 50mm, 62mm, 63mm, 65mm e 70mm, e outros ainda que não chegaram nem ao comércio. As bitolas que sobraram desta lista e ainda estão em uso são o Super-8, 16mm e o 35mm. Em alguns lugares ainda se usa, para fins específicos, o 70mm.
A figura ao lado nos mostra em escala verdadeira uma comparação entre as 3 principais bitolas utilizadas no Brasil, da esquerda para a direita, 35mm, 16mm e Super-8. É claro na figura que, ao variar a largura da tira, conseqüentemente o tamanho da imagem formada também se altera, tanto em tamanho e proporção como em qualidade (quanto maior, melhor). Ademais, as perfurações são diferentes na mesma medida, impossibilitando qualquer compatibilidade entre bitolas, ou seja, uma câmera de 16mm não comporta nem Super-8 e nem 35mm, por exemplo.



Fig. 1 – Comparativo entre bitolas: 35mm, 16mm
e Super-8.











O FORMATO

O formato é a área útil de impressão num negativo, e é calculado levando-se em conta a relação entre altura e comprimento do retângulo onde será impressa a imagem captada pela câmera .Uma mesma bitola pode conter vários formatos, dependendo da janela utilizada na câmera ou na projeção. Mas não se trata de uma relação aleatória, são valores estabelecidos pelos padrões da indústria cinematográfica, pois, do contrário, todo o cineasta deveria mandar fabricar janelas específicas para a exibição de seus filmes, o que tornaria a comercialização inviável.
Tais valores são relações numéricas independentes da unidade de medida utilizada; são proporções, como por exemplo 1:2, 1:2,4 (que representam a razão entre altura e a largura do fotograma).
Como deve existir uma compatibilidade entre a captação e a projeção para que o quadro não seja cortado ou fique sobrando na tela, tanto as janelas da captação quanto as da projeção seguem padrões de proporção.
Quando as cópias finais vão às salas de exibição de cinema,dentre as informações do rótulo, uma das mais importantes é justamente a janela em que foi captado. Sem essa informação,o projecionista não saberá que formato foi escolhido, e aprojeção poderá ser sofrível: ou a imagem fica cortada,comprometendo o enquadramento, ou talvez pior, a janela deixa passar o fim do cenário, iluminação e os microfones que normalmente não deveriam aparecer.
Os formatos padronizados mais comuns são os seguintes:

















Assim como as bitolas, diversos outros formatos já foram utilizados na história do cinema, alguns sobreviveram e outros acabaram por diversos motivos; independente disso, é sempre preciso considerar o suporte final de exibição para escolher qual o melhor formato na captação.
Devemos lembrar que o formato também influencia diretamente o enquadramento, e, conseqüentemente, sua estética.
Nem todas as bitolas gozam de variadas opções de formato, apenas o 35mm possui uma vasta gama, e por isso vamos analisar cada uma das bitolas e seus formatos.

35mm

A bitola de 35mm é de longe a mais utilizada. Foi a primeira bitola do cinema e ainda hoje é o suporte mais comum para todos os longas-metragens de exibição comercial, bem como uma das mais utilizadas na publicidade. O 35mm representa uma ótima relação entre o custo e a
qualidade do material final, já que o 16mm tem baixa qualidade comparativamente e bitolas maiores são extremamente caras.
Observe na figura ao lado um quadro comparando o tamanho da área útil de um fotograma 35mm em relação a outras bitolas.

Mesmo no formato 1:1,33, a área útil do 35mm é pouco mais que 4 vezes maior que a área do 16mm, incorrendo numa qualidade de captação muito superior a qualquer uma destas bitolas.

O 35mm também é a única bitola em que é possível a utilização de quase todos os formatos disponíveis no mercado, desde o full-screen 4:3 utilizado na televisão até os panorâmicos 1:2,35 do cinemascope.
Os formatos mais utilizados no 35mm são os apresentados a seguir, com a unidade métrica real do tamanho da janela, em polegadas (entre parênteses):

Formatos para Bitola 35mm

Full Screen 1:1,33 (0,980"x 0,735") – Formato Mudo (atualmente utilizado para TV)

Janela 1:1,37 (0,868"x 0,631") - Formato Acadêmico

Janela 1:1,66 (0,868"x 0,523")

Janela 1:1,78 (0,868"x 0,496") (próx. 16:9 – formato para TV WideScreen)

Janela 1:1,85 (0,868"x 0,469")

Janela 1:2,2 (anamórfico)

Janela 1:2,35 ou 2,40 (anamórfico ou Super35)

A janela Full Screen só é utilizada para finalização em TV ou cinemascope (ver adiante), já que ela ocupa praticamente toda a área útil da bitola e não permite, com isso, que o som seja impresso numa cópia final. As demais são utilizadas com bastante freqüência, sendo que as preferências variam de acordo com as tradições. Nos EUA, por exemplo, o 1:1,37 era o formato oficial, e depois da década de 50, o 1:1,85 passou a ser o preferido. Já na Europa, há uma genérica preferência pela janela 1:1,66 e também para formatos panorâmicos.
Ao lado, dois exemplos de formatos na mesma bitola de 35mm: à esquerda, 1:1,37, e à direita, 1:1,66.












Reparem que para deixar o fotograma mais retangular, é necessário diminuir seu tamanho físico, para que ele encaixe na medida da bitola, e por isso há um limite para deixar a imagem mais panorâmica, já que quanto menor for o fotograma, menos qualidade ele terá, e por isso 1:1,85 é o limite normal do 35mm. Portanto, as possibilidades de utilização do 35mm são estas:



















Fig. 7 – Relação dos formatos utilizados em 35mm

16mm

O 16mm foi criado com a intenção de servir como bitola caseira, para uso amador, ainda na década de 20, como alternativa mais barata ao 35mm. Dentre várias tentativas, a única sobrevivente de dezenas foi justamente o 16mm. A bem da realidade, o 16mm também já não deveria existir, pois já tinha sido substituído na década de 30 pelo 8mm como bitola amadora, mas um fator foi determinante para sua sobrevivência: a televisão.
Em seu início, a TV não dispunha de vídeo-tape, ou seja, não existia uma forma de registrar o sinal eletrônico da TV, e toda a programação era feita ao vivo. Mas e no caso de comerciais, reportagens e documentários? Alguns também eram feitos ao vivo, mas na impossibilidade de transmitir na hora adequada, a saída mais simples era o registro cinematográfico. Durante quase 30 anos, até a invenção do vídeo-tape em 1957, a televisão se valeu do cinema para o registro de grande parte de sua programação, e como o objetivo era a projeção numa pequena tela de 14 polegadas, não havia necessidade de se utilizar do 35mm, maior e mais caro. O 16mm não só era mais barato como também se adequava perfeitamente ao formato da TV, 4:3 ou 1:1,33. Muito comum na década de 70 e 80 era a utilização de filmes 16mm reversíveis com banda sonora magnética, que permitiam a captação do som já na própria película (como é feito atualmente
em qualquer câmera da vídeo), e que agilizavam muito o trabalho do telejornalismo.
Por este motivo, o 16mm passou a ser considerado também uma bitola profissional, na medida em que o mercado de cinema publicitário se utilizou (e se utiliza) largamente dele até hoje.
Originalmente o 16mm era encontrado com perfuração dos dois lados, pois era projetado sem som, ou então finalizado em vídeo. Atualmente, só é utilizado este tipo de película com dupla perfuração na cinematografia científica, em câmeras de high speed que filmam a mais de 1.000 f.p.s.

A bitola 16mm atualmente se apresenta assim:


Fig. 8 – 16mm, à esquerda uma cópia positiva, sem som e com
perfuração dos dois lados; à direita, negativo com perfuração do lado
esquerdo. Os dois não estão na proporção real.




Reparar que cada perfuração corresponde a um fotograma, (diferente do 35mm em que cada fotograma equivale a 4 perfurações), e que estas perfurações estão exatamente no meio, entre um fotograma e outro, dando um espaço mínimo entre cada fotograma e dificultando muito a
finalização em 16mm. No caso do negativo, toda a área do lado direito da película em que não há imagem é destinada à inclusão do som na cópia final.

Formato para Bitola 16mm
Janela 1:1,37 (0,404"x 0,295") – Formato Acadêmico

Por padrão, todo a câmera 16mm tem janela 1:1,37, assim como toda a projeção.
Portanto, ter perfuração dupla ou simples só faz diferença numa câmera de high speed com grifa dupla, pois todas as outras câmeras comuns e projetores só tem uma grifa, do lado esquerdo, não comprometendo de maneira nenhuma caso haja perfuração dos dois lados.
Atualmente, o 16mm ainda encontra espaço principalmente em produções para TV (comerciais, séries) e para a cinematografia acadêmica e experimental de curtas-metragens independentes e/ou universitários, em que os custos de produção, bem menores que os de 35mm, bem como a possibilidade de experimentação, fazem dele uma bitola ideal para o exercício e a vanguarda cinematográfica. Apesar disso, sua qualidade e som não podem ser comparados ao 35mm.

Sistema 65/70mm

Foi inventado em 1929, ainda no cinema mudo, mas ficou esquecida e restrita até a década de 50. No início da década de 40, as pesquisas no campo da tecnologia de transmissão eletrônica de imagens já haviam chegado, nos EUA, a um grau de excelência que possibilitaram a invenção da TV comercial. Num primeiro momento, este avanço não chegou a incomodar, mas já na década de 50, a TV representou para o cinema a inclusão de um concorrente direto e potencialmente promissor, e cuja conseqüência mais próxima seria sua extinção.
Levando-se em conta que o cinema era uma das maiores fontes de renda americanas, a televisão punha-se como um rígido anteparo ao avanço das produções em película, tanto pela comodidade de assistir filmes pelo aparelho de TV quanto pelo custo menor de uma produção eletrônica. Como em ambos o interesse comercial era proeminente, a saída que os grandes estúdios encontraram foi a criação de sistemas
impossíveis de serem reproduzidos em toda sua grandeza e magnitude pela TV. Em outras palavras, transformar o cinema num espetáculo insubstituível. Um deles foi a cor, outro, o som estereofônico e quadrifônico, e ainda outro, a retomada dos grandes formatos.
Surgiu daí o conceito de grande produção e da volta da bitola de 70mm. E, de fato, era realmente impossível reproduzir a experiência proporcionada pela sala escuranuma projeção em 70mm, dada a qualidade da imagem e som, que ainda hoje nenhuma outra bitola, tanto em película como vídeo, jamais alcançou.
O 70mm representou o auge do cinema espetáculo das décadas de 50 e 60, a era dos grandes estúdios e das grandes estrelas; projeções de 70mm em telas de mais de 100 metros de comprimento sem dúvida fizeram o cinema triunfar como indústria sobre a televisão, numa época em que a tecnologia eletrônica ainda era muito limitada.










Fig. 9 - Comparativo (fora da escala)
das bitolas 35 e 70mm.